quinta-feira, 15 de setembro de 2011

10.000 Destinos: Capítulo 1

O fugitivo



Era o barulho das patas do cavalo que o mantinha acordado. A cabeça doía, assim como todo o corpo, o pedaço da cota de malha perfurando o seu ombro esquerdo incomodava mais do que todo o resto, deveria parar um pouco para tentar removê-lo, mas parar era arriscado demais. A espada continuava na bainha, não era possível segurar as rédeas e empunhar a espada ao mesmo tempo por conta dos ferimentos, e isso era só mais um motivo para não ser apanhado.
Se eles me alcançam, estou morto...
Olhou ao redor em busca de uma trilha ou caminho conhecido, mas tudo o que via era floresta, neve e algumas mechas de seu próprio cabelo negro, o sangue de um ferimento na cabeça tornava difícil ver com o olho esquerdo, mas ainda assim, parar e tentar estancar o ferimento estava fora dos planos. Já fazia uma hora desde que os outros tinham sido mortos, Shad derrubou dois deles, mesmo com uma flecha em seu pescoço, mas não pode fazer nada sem a cabeça, Jarcos também tinha lutado bravamente, mas mesmo para a grossa armadura de um anão uma lança longa é um grande problema, Marina tentou fugir junto a ele mas tinha ouvido quando ela caiu e não quis olhar para trás para ver o motivo do grito abafado da amiga, estavam todos mortos e só ele havia escapado, o ouro que carregava consigo não iria comprar sua vida e nem todos os jogos de palavras e truques de um ladrão poderiam tirar aqueles homens de seu encalço.
Se eles me alcançam, estou morto...
-“Crash”-
O som veio seguido de uma queda inesperada, sentiu o gosto de terra e gelo e uma dor excruciante no ombro esquerdo. O maldito animal tinha quebrado a pata e jazia agonizante no chão.
- Malditos sejam os deuses!!!- murmurou, sacando a espada trincada e a fincando-a no pescoço do animal, silenciando a montaria aleijada antes que seus gritos insuportáveis pudessem denunciar sua posição.
Eles não devem estar longe, se me alcançam estou morto...
A espada voltou a bainha, e cota de malha que perfurava seu ombro foi arrancada do corpo para fazer companhia ao cavalo recém abatido, o sangue em seu ferimento tornou-se mais constante. Enrolou-se em seu manto barato e seguiu o mais rápido que suas pernas permitiram. Tinha fome, sentia frio, mas o medo o impelia a seguir por entre as arvores, não sabia para onde estava indo mas precisava ir o mais longe que conseguisse.
Achou ter ouvido o barulho e água. Água seria bom tanto pra manter de pé quanto para os ferimentos, entretanto, seria um caminho óbvio demais e ainda não estava tão desesperado a ponto de fazer algo tão estúpido.
Não precisou caminhar mais que meia hora para que seu maior medo momentâneo tomasse corpo, na verdade dois corpos bem armados e montados em cavalos grandes e fortes, uma sombra cruzou seu caminho mais rápido do que se podia esperar, ou seriam seus reflexos que começavam a vacilar devido a perda de sangue?
Agora definitivamente estou morto...
A sua frente estava um homem com um machado de duas cabeças em punho, usando o elmo que antes pertencia a Jarcos, o anão, um elmo com os chifres mais clichês que um anão poderia usar. O novo dono dos cornos era o completo oposto de Jarcos, não tinha barba, não usava armadura e devia ter no mínimo a altura de uma porta de taverna, o outro era um homem magro, alto e muito loiro, com uma bela espada em punho, esse por sua vez usava uma cota de malha simples, embora um tanto enferrujada.
- Finalmente encontramos o verme que deixou os amigos para morrer - falou o homem magro e loiro, com um sorriso muito amarelo no rosto - Mesmo entre ladrões esperava mais honra.
- Desculpem-me cavalheiros – era difícil encontrar palavras naquela situação - Acho que esqueci minha honra duas cidades rio acima, se me permitirem posso voltar e ver se a encontro.
- Vejo que sua língua anda funciona – disse o homem magro – Traga-a pra mim Grots!
O homem grande saltou da sela com o machado em punho e correu em sua direção como um cão que obedece a seu dono, o machado passou em diagonal tão perto de sua face que quase  pode sentir o frio metal em sua carne. Por mero impulso, esquivou do feroz ataque com um passo para a esquerda e um arqueio de coluna, não havia tempo para organizar os pensamentos e a espada foi mais rápida que o medo, em um movimento espada e elmo se chocaram fazendo o elmo rolar ao chão, mas o homem grande nada tinha sofrido.
A três passos de distancia, enquanto tentava se por em uma postura de combate, embora não conseguisse sentir nem mesmo suas pernas, viu que o  homem grande já desferia seu segundo ataque, dessa vez vertical e empunhando o machado com uma força descomunal. Nada restava senão se defender da melhor forma possível, pôs a espada em posição horizontal frente ao machado. O choque foi tão violento que estilhaçou sua lamina, mas lhe deu tempo o suficiente para tirar seu corpo da linha do ataque, tropeçar no elmo caído de seu adversário e cair sentado ao chão.
Agora acabou...
Ao erguer os olhos, viu que o homem grande desferia um terceiro ataque, mais uma vez um golpe vertical. Em uma resposta completamente instintiva, girou sobre o corpo mais uma vez a milímetros de ser feito em dois tateando o chão a procura de uma pedra ou algo do tipo já que estava desarmado. Suas mãos encontraram o elmo de Jarcos, e em um movimento desesperado fincou o chifre esquerdo do elmo na garganta do homem grande. O jorro de sangue quente sobre sua face foi a coisa mais reconfortante que sentiu naquele dia, ao menos até aquele momento, e um sorriso doentio surgiu em seus lábios.
Ainda não estou morto...
O corpo do homem grande caiu pesado ao seu lado tingindo de vermelho a neve a medida que o sangue fluía de uma jugular aberta e ainda pulsante. O homem magro e loiro parecia não acreditar no que estava vento, em alguns segundos seu companheiro grande e forte, temido em batalha por sua destreza e valentia, havia sido surpreendido e morto por um jovem ferido e desarmado.
Ainda não acabou...
Enquanto tentava se por de pé, percebeu o homem magro esporear o cavalo e partir com espada em punho em sua direção, atacando verticalmente de cima do cavalo. Talvez tenha sido por conta dos ferimentos ou mais um truque de seus reflexos, mas no ultimo instante se deixou cair de joelhos, evitando assim o ataque que passou próximo ao seu ombro direito. Enquanto o homem magro e loiro virava o cavalo para desferir um novo ataque, conseguiu tirar o machado das mãos do homem grande, mas o machado era pesado demais, de modo que seria impossível erguer a arma a uma altura suficiente para ferir um homem sobre a sela de um cavalo.
Só existe uma maneira...
Esperou o homem magro esporear o cavalo, tentando manter uma postura firme, ao menos até o ultimo momento. Ergueu o machado com toda a força que tinha e quando a espada do cavaleiro cortou o ar em sua direção, flexionou os joelhos saindo mais uma vez da linha de ataque, desferindo um golpe milagrosamente firme na pata dianteira direita do cavalo, que por bondade dos deuses caiu sobre o homem magro e loiro, imobilizando completamente suas pernas. O animal relinchava agonizante enquanto seu cavaleiro tentava inutilmente erguer o corpo.
Funcionou?...
Andou lentamente até o homem caído, o machado carregado desleixadamente traçava um rastro vermelho na neve. A face do homem derrotado era um misto de desespero e fúria, sua espada tinha sido jogada para longe durante a queda, ele estava só e desarmado frente ao homem que pretendia matar, seus olhos azuis encontraram os castanhos do homem que erguia novamente o machado.
Crunsh!!!
O cavalo foi silenciado com um único golpe de machado, o homem magro e loiro abriu lentamente os olhos para ver um meio sorriso na boca do carrasco.
- Vamos deixar uma coisa bem clara - disse o carrasco - Eu realmente preferiria não ter que te matar após um dia tão vermelho.
O homem ao chão permanecia catatônico, então prosseguiu.
- Não sou uma má pessoa, posso já ter cometido atos que me mandariam para uma ou duas masmorras, mas definitivamente não sou um assassino.
O homem magro tentava articular palavras mas o Maximo que conseguia era mover os lábios sem emitir nenhum som.
- Você poderia ter tirado de nós o que tínhamos encontrado naquela maldita caverna, roubado nossas armas e cavalos já que estávamos em desvantagem numérica em relação aos homens que estavam do seu lado, não seria a primeira vez que teríamos falhado, mas não era o bastante não é mesmo?
Lágrimas começaram a surgir nos olhos do homem que naquele momento já sabia o que estava por vir.
- Você pediu a seu companheiro minha língua, infelizmente devo uma cabeça aos meus companheiros, e pela primeira vez, terei prazer em fazer isso. A propósito, meu nome é Ethan, é bom que saiba o nome do homem que ceifou sua vida!
Ergueu mais uma vez o machado, dessa vez parecia três vezes mais pesado, e o deixou cair sobre o pescoço do homem que chorava e tentava articular alguma palavra que o desse mais um dia de vida. O machado foi deixado ali mesmo, mas a espada do falecido seria útil, precisava andar o máximo que pudesse antes de se dar ao luxo de tentar descansar ou tratar de seus ferimentos, outros poderiam estar em seu encalço e precisava continuar a fugir.
Por hora... estou vivo...


Continua em “O Bardo”...



Eduardo Vieira